Dúvidas? Problemas? Dificuldades? Uma especialista em aleitamento materno responde de forma simples e objetiva dez questões frequentes sobre o assunto. Saiba em que situações é preciso buscar ajuda profissional e onde encontrar apoio.
Por Luciana Benatti
Você, mãe que amamenta, às vezes se sente perdida, sem saber que conselho seguir? Ao menor sinal de dificuldade, vê todos a sua volta (incluindo o pediatra) acenando com uma mamadeira? Tem receio de que o seu leite não seja suficiente para alimentar o seu filho? Pois saiba que você não é a única a passar por isso. “Existe um problema com relação à amamentação, que é a divulgação de orientações divergentes e pouco fundamentadas. Às vezes a mulher fica muito perdida mesmo”, afirma a enfermeira obstetra Márcia Koiffman. E cita um exemplo bem comum: “Ainda tem gente que orienta as mães a não deixarem o bebê mais do que dez minutos em cada peito porque vai machucar. E já sabemos que não é assim: você deve esvaziar bem uma mama antes de passar para a outra, dessa forma o bebê mama não apenas o leite anterior – aquele do início, mais rico em fatores de proteção, mas também o posterior, mais calórico.”
Infelizmente, apesar de conhecermos há anos os benefícios do aleitamento materno e sabermos de cor as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a única solução oferecida às mães com dificuldades muitas vezes é a mamadeira. E isso acontece até mesmo nos consultórios dos pediatras, que deveriam ser os primeiros a ajudar (leia os depoimentos de duas mães que passaram por isso).
“Muitos profissionais têm boa vontade, mas estão desatualizados. Outros realmente não têm a habilidade e a paciência necessárias para cuidar de uma mulher que está com dificuldade de amamentação. Ela precisa de um suporte muito intenso. Nem sempre o problema vai se resolver em uma consulta, em uma única conversa”, explica Márcia, que além de acompanhar partos domiciliares também é especialista em oferecer suporte à amamentação. “Às vezes o profissional quer resolver o problema rapidamente e opta pelo caminho mais curto, que é prescrever a fórmula.” A seguir, Márcia esclarece dez dúvidas frequentes das mães.
1. Como se preparar para a amamentação?
O melhor preparo é a informação. Na gravidez, a tendência da maioria das mulheres é pensar muito no parto e deixar um pouco de lado o pós-parto. É preciso pensar um pouquinho em como vai ser depois que o nenê nascer. Planejar coisas básicas mesmo: quem vai fazer comida, quem vai ajudar nas tarefas da casa, se o marido vai tirar férias ou não. Essa rede de apoio é importante para que a mãe possa estar realmente disponível para o bebê. Porque a amamentação demanda muito! Mesmo um bebê tranquilo, que mama e dorme, impõe um ritmo ao qual a mulher não está acostumada. O sono fica interrompido, o cansaço é muito forte e sobra pouco tempo para cuidar de outras coisas.
Em termos de preparo físico, há pouca coisa a ser feita. Na verdade, existem mais coisas que não se deve fazer. Por exemplo, ao hidratar o corpo, deve-se evitar a região da aréola e do mamilo. Outra coisa a ser evitada é esfregar com buchinha, passar toalha. Existe um mito de que essas coisas fortalecem a pele do mamilo prevenindo rachaduras, fissuras. Na verdade, podem causar uma lesão no mamilo. Uma recomendação que ajuda a fortalecer a pele, mas é difícil em São Paulo, é tomar o solzinho da manhã e do final da tarde direto no mamilo. Mas o que realmente previne fissuras é a pega correta do bebê.
2. O que é a descida do leite? Quando acontece? Todas as mulheres sentem?
A descida do leite, também chamada apojadura, é um processo desencadeado por mudanças hormonais do corpo da mãe com o nascimento do bebê. Ela acontece em torno de 72 horas após o parto, seja normal ou cesárea. Esse tempo é variável, pode acontecer um pouquinho antes ou ser mais tardia. Em algumas mulheres chega a demorar até uma semana. Mais do que a via de parto, um fator que influencia nesse tempo é o estímulo do bebê sugando o colostro: quanto mais cedo o bebê for para o peito e mamar – e quanto mais tempo ficar com a mãe –, maior é o estímulo. Com isso, a tendência é que a descida do leite aconteça num intervalo menor.
Na maternidade, é importante que o bebê fique em alojamento conjunto, ou seja, o tempo todo junto com a mãe. Isso evita aquele desencontro muito comum: quando o bebê fica com fome, está no berçário e dão alguma coisa para ele tomar, como soro com glicose ou fórmula. Depois, quando vem para a mãe, o bebê está dormindo. E não estimula.
É bastante comum a mulher sentir a descida do leite: o peito fica muito cheio, duro, ingurgitado, quente, às vezes ela tem até uma febrezinha. Para algumas é um processo muito intenso. Para outras, mais suave. Algumas nem percebem.
3. Como saber se o leite está sendo suficiente para o bebê?
Existem duas medidas muito objetivas – praticamente as únicas 100% confiáveis – de que o nenê está mamando: o ganho de peso e a quantidade de xixi que ele faz. Outros critérios são mais subjetivos. Por exemplo, o fato de chorar muito não necessariamente significa que o nenê não mamou bem ou que está com fome. Para ter certeza, é preciso fazer a pesagem. E, no intervalo das pesagens, observar a quantidade de xixi – não de cocô. Isso depois que o leite desceu, não na fase do colostro. Um bebê que está mamando bem molha mais ou menos seis fraldas em 24 horas.
4. Quais os problemas mais comuns nos primeiros dias e como resolver?
Fissura, ingurgitamento e a queixa da mãe de que ela tem pouco leite. A fissura é uma lesão no mamilo que se forma muito rápido, incomoda bastante, mas também cicatriza muito rápido. É resolvida com a correção da pega, pois a formação de uma fissura significa que o nenê em algum momento mamou errado. O ingurgitamento, que é o leite empedrado, é mais comum na fase da descida do leite, mas pode acontecer ao longo da amamentação, quando, por exemplo, um bebê que mama muito de repente resolve dormir quatro horas seguidas, e o peito enche demais. Isso se resolve com massagem e ordenha (tirar o leite, esvaziando a mama). A ordenha deve ser feita até o ponto em que você se sente confortável. Se for além disso, vai estimular a produção de leite e piorar o problema. Importante: ir para o chuveiro quente é a pior coisa que uma mulher nessa situação pode fazer. Oferece um alívio momentâneo, mas tem um efeito de vasodilatação que piora o problema umas horas depois. Por isso, é preciso evitar a tentação de usar o calor em situações de ingurgitamento. A questão do pouco leite é mais complexa de resolver. Se o bebê faz pouco xixi, o ideal é consultar um profissional especialista em amamentação. Vale ter sempre em mente que a produção de leite depende da demanda, seja do bebê ou da ordenha. Muitas mulheres têm a sensação que, se esvaziarem muito o peito, vai faltar leite para o bebê. Mas não é assim: quanto mais acontece esse processo de peito esvaziado, mais o corpo entende que tem que produzir. Ao contrário, leite parado no peito é um sinal para o corpo diminuir a produção.
Por isso, uma orientação para as mulheres com essa queixa é estimular a produção com mamadas mais frequentes ou mesmo com ordenhas, além de beber muita água para garantir a hidratação e, na medida do possível, descansar. Aí entra novamente aquela questão do apoio, de quem vai ajudar. A mulher precisa estar bem alimentada e descansada para produzir o leite.
5. Caso seja preciso complementar as mamadas com fórmula, como oferecer o leite ao bebê?
O ideal é não usar a mamadeira. Se a mulher consultou um profissional, está com uma diminuição na produção, e o bebê vai precisar de um complemento, o melhor é a translactação. É uma técnica de complementação na qual a mulher oferece o leite, que pode ser o seu próprio ou a fórmula, por meio de uma sonda fininha presa no peito. O bebê vai lá e suga. A vantagem é evitar a confusão de bicos para o bebê e ao mesmo tempo estimular a produção porque ele continua sugando o peito. Mas nem sempre o uso dessa técnica é possível: se o bebê está com dificuldade de pega, a translactação não resolve. É preciso primeiro corrigir isso. Uma alternativa é oferecer o leite no copinho. Às vezes não dá para usar um, mas dá para usar outro. O importante é, na medida do possível, evitar recorrer à mamadeira, que pode favorecer o desmame precoce.
6. Minha licença é de quatro meses, mas quero continuar amamentando exclusivamente até os seis meses. O que fazer?
É muito possível amamentar na volta ao trabalho, mas é preciso se organizar. E a forma como você vai fazer depende da estrutura da empresa. Se o seu local de trabalho conta com uma creche, você poderá sair para amamentar durante a jornada nos horários previstos por lei: duas pausas de 30 minutos. Na prática, isso é um pouco complicado: só funciona mesmo se houver creche no local.
Outra possibilidade é tirar o leite no horário de trabalho e guardá-lo para o bebê. Para isso, é preciso ter disciplina. O ideal é que, numa jornada de oito horas, sejam feitas três ordenhas: uma de manhã, uma na hora do almoço e uma no meio da tarde. O mais comum é as mulheres abrirem mão das duas pausas a que têm direito – a maioria não amamenta durante a jornada, porque o bebê não está perto – em troca de sair mais cedo. O problema disso é ficar muito tempo com o leite parado, sem estimular a produção. Mesmo que essa mulher chegue em casa mais cedo e dê o peito, isso não será suficiente para manter a produção. Com o tempo, a quantidade de leite vai diminuir.
Mesmo que você decida parar de amamentar na volta ao trabalho, é preciso cuidar disso também. Se está amamentando exclusivamente em livre demanda e parar de uma hora para a outra, sem se preocupar em fazer a ordenha, você não vai nem conseguir trabalhar direito com o incômodo.
Seja qual for a sua escolha – continuar ou parar – o ideal é usar as duas pausas diárias para fazer a ordenha. Algumas empresas mantêm uma sala de amamentação, alugam bombas de tirar leite, orientam, fornecem kits com os frascos para guardar leite. Caso não seja esse o seu caso, você precisará encontrar um lugar onde fique confortável. Só não pode ser o banheiro.
7. Como tirar e guardar o meu leite para dar ao bebê?
A ordenha pode ser feita manualmente ou com a bomba, como você se sentir melhor. Veja no site da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano como fazer a ordenha manual. O leite deve ser guardado refrigerado – o ideal é no freezer. Caso faça isso no trabalho, providencie um recipiente refrigerado para levá-lo para a casa. Se não houver outro local em seu trabalho que não seja o banheiro, você pode ordenhar e jogar o leite fora, como forma de manter a produção. E continuar amamentando seu filho de manhã e à noite. Uma coisa importante: quando estiver com o bebê, dê sempre o peito: de manhã antes de sair, à noite quando chegar e no final de semana.
É muito comum nessa fase que o bebê sinta falta da mãe e comece a demandar mais mamadas quando estão juntos. Às vezes, durante à noite. Um bebê que não acordava mais, passa a acordar porque está se adaptando à ausência da mãe e compensando. Nessa fase, é preciso ter um pouquinho de paciência, não desanimar, porque isso dura pouco. Logo ele se adapta e fica tudo bem.
8. Vale a pena doar leite? Quem pode ser doadora? O que é feito com o leite doado?
Sempre vale a pena! O leite dos bancos de leite vai prioritariamente para os bebês em UTI neonatal, que estão muito debilitados e precisam muito. Nem toda mãe de bebê internado em UTI mantém uma boa produção de leite e consegue amamentar. Por isso, tem sempre uma defasagem.
Caso você produza um volume de leite maior do que a necessidade do bebê, não é difícil ser uma doadora. Como os bancos de leite estão sempre precisando, eles facilitam a vida da mãe que quer doar. É preciso entrar em contato com o banco de leite, apresentar alguns exames – às vezes os do pré-natal já são suficientes – e seguir as orientações.
A ordenha para doação é um pouco mais rigorosa do que a que a mãe faz para guardar leite para o próprio filho. Mas não há motivo para preocupação, pois todo o leite que chega no banco de leite é pasteurizado e testado. Para encontrar o banco de leite mais próximo da sua casa, veja a listagem completa no site da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano.
9. Qual a hora certa de iniciar o desmame?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda seis meses de amamentação exclusiva – sem água nem chá – e a amamentação complementar por dois anos ou mais. A amamentação exclusiva nem se discute mais: é uma coisa que já está bem estabelecida, sabemos que o nenê não precisa de mais nada nessa fase, mesmo nos dias de muito calor, quando basta oferecer mais o peito. E isso resolve.
Assim, pode-se dizer que o desmame começa em torno dos seis meses do bebê. Mas a amamentação continua! Alguns têm necessidade de adiantar um pouquinho, outros podem continuar mamando exclusivamente por até oito meses, sem problema. Ou seja, existe um período em torno dos seis meses em que o nenê começa a comer outras coisas. Introduzir alimentos muito cedo aumenta o risco de alergia. É preciso ter em mente que esse é um processo lento, que acontece de forma gradual, até que uma refeição substitua uma mamada. É preciso muita paciência…
Depois disso, por quanto tempo manter a amamentação? Vai depender muito da dupla mãe-bebê. A recomendação da OMS é por dois anos ou mais. Mas existem questões culturais envolvidas e é preciso considerar a rotina da mãe. Mas uma informação importante é que o leite materno tem uma característica muito bonita que é a de se transformar ao longo da vida do bebê: conforme ele vai crescendo, a constituição vai mudando para suprir as necessidades de uma criança maior. Depois do primeiro ano de vida, por exemplo, o teor de vitamina C do leite materno cresce muito. Duas mamadas de 200 ml por dia suprem praticamente 90% da necessidade de vitamina C. Isso é uma informação importante porque muita gente pensa que depois do primeiro ano de vida o leite materno sustenta pouco, que uma criança maior não vai se beneficiar dele. Mas vai! Com essa informação, cada um decide o que fazer. Mas que tem benefícios, isso tem!
10. Estou com dificuldade para amamentar. Onde posso conseguir ajuda?
Os bancos de leite têm a função de ajudar na amamentação, mesmo que você não seja uma doadora. Você também pode procurar orientação em grupos de apoio à amamentação, grupos de mães mais experientes que ajudam outras mães a amamentar. Existem ainda profissionais especializados, que podem ser enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, entre outros, que possuem formação específica para atuar como consultores em amamentação.
Casa Moara (SP)