sábado, 28 de janeiro de 2012

Posições para o parto: a escolha é sua

Pergunte a qualquer mulher que já tenha passado por um parto natural, sem intervenções, a quem foi garantido o direito de se movimentar livremente: a escolha da posição durante as contrações e o período expulsivo não passa pela razão, é totalmente instintiva. E varia imensamente de mulher para mulher.

É incrível como, em meio a sensações tão intensas, contrações que vêm e que vão como ondas, o corpo sabe exatamente o que fazer para encontrar conforto: se acocorar, como sempre fizeram as índias, ou relaxar na água quentinha da banheira, acessório indispensável nas mais modernas salas de parto normal. Entre tantas outras possibilidades.

Ao longo da história, as mulheres sempre preferiram as posições verticais para dar à luz seus filhos. A cadeira de parto mais antiga de que se tem notícia é da Idade da Pedra.

Foi o obstetra francês François Mauriceau (1637-1709), profissional altamente conceituado entre a realeza da época, quem primeiro pôs em prática a ideia de colocar deitada a mulher em trabalho de parto. Fez isso, diga-se em seu favor, para conforto delas, que tinham quilos demais para se sentar confortavelmente nas cadeiras de parto. Querendo ajudar, cometeu aquele que seria considerado por muitos como o maior erro da história da Obstetrícia.

O fato é que a ideia de Mauriceau se disseminou. E veio mesmo a calhar quando o atendimento ao parto deixou o ambiente domiciliar, onde era realizado principalmente por parteiras, e passou para o hospital: essa era (e ainda é) a posição de maior conforto para a figura que se tornou também a grande protagonista do parto, o médico obstetra.

Hoje a posição deitada de costas na cama com as pernas apoiadas em perneiras está tão arraigada em nossa cultura que continua sendo uma das mais frequentes em nossos hospitais, apesar de todas as recomendações em contrário. Entrou também para o imaginário das próprias mulheres, que, quando não são informadas sobre outras opções durante o pré-natal, acabam sendo pouco receptivas a sugestões de posições alternativas no momento do parto.

São muitas as posições possíveis , mas, na prática, poucos profissionais costumam sugeri-las às parturientes.

“O principal é a liberdade de escolha por parte da mulher, tanto no período de dilatação do colo uterino, quanto no período de expulsão do bebê”, defende o obstetra Jorge Kuhn, ressaltando também a importância da deambulação, ou seja, de poder andar durante o trabalho de parto. “O profissional de saúde que atende o parto, quer seja parteira, obstetriz, enfermeira obstetra, médico obstetra ou médico de família, deve proporcionar isso a ela.”

A obstetra Andrea Campos é da mesma opinião. “A mulher tem que ficar na posição em que se sentir mais confortável. Seja para aliviar a dor, seja para fazer força”, acredita.

Parece óbvio, mas não tem sido fácil nem para as mulheres, nem para as equipes de assistência ao parto colocar essa orientação em prática no ambiente hospitalar, com todas as suas regras e protocolos.

Como jornalista, uma das histórias mais marcantes sobre o assunto que ouvi numa reunião de gestantes, que frequento há quatro anos, desde que comecei a escrever sobre parto, foi a de uma mulher que havia tentado um parto normal num hospital universitário de São Paulo. Ela contou que, sentindo contrações, viu na parede o quadro “Caminhando para o parto normal”, com algumas sugestões de posições .

Sozinha na sala, passou a procurar sua posição de conforto. Encontrou alívio “de quatro”, em cima da cama. Surpreendida nessa posição por uma enfermeira, levou bronca: “Onde você pensa que está para ficar desse jeito?”, perguntou rispidamente essa profissional.

Quem conhece um pouco a fisiologia do parto – um processo natural muito delicado, que, entre outras coisas, requer tranquilidade, intimidade e apoio –, consegue imaginar o fim dessa história: o trabalho de parto “não evoluiu” e ela teve uma cesárea, que não desejava. Quando a conheci, essa mulher estava grávida pela segunda vez e procurava se informar melhor sobre suas opções para o parto, numa tentativa de recuperar o que lhe havia sido negado no nascimento do primeiro filho.

Esse caso mostra que em muitos hospitais, mesmo nos de ensino, onde as boas práticas deveriam ser a regra, a liberdade de escolha de posição continua apenas no cartaz pendurado na parede. No dia a dia desses hospitais, todas as parturientes são deitadas de costas na cama, em posição horizontal, que sabidamente dificulta a chegada de oxigênio para o bebê e provoca mal-estar na mãe. Por que isso acontece? Boa pergunta!

Tempos depois de ouvir esse relato, ao ler o livro Parto Ativo, da inglesa Janet Balaskas, criadora do movimento de mesmo nome que mudou a realidade obstétrica na Inglaterra, soube que a censura contra mulheres que optam por posiçoes ditas alternativas durante o parto também aconteceu na Inglaterra, na década de 1980. E foi o estopim de uma passeata que levou seis mil pessoas a protestar nas ruas de Londres.

Por outro lado, nas entrevistas que fiz para o livro Parto com Amor, várias mulheres atendidas por equipes humanizadas relataram que em certo momento do parto se sentiram desconfortáveis, sem conseguir encontrar posição, até que alguém sugeriu… Ir do quarto para a sala e agachar apoiada na rede. Sair da banheira e usar a banqueta de parto. Ou ainda ir da cama para a banheira. E funcionou! O trabalho de parto engrenou e o bebê nasceu algumas contrações depois. Isso mostra que cada mulher, quando deixada livre para escolher – amparada por profissionais que acreditam em seu protagonismo – encontra o seu jeito de dar à luz, aquele que é o melhor para ela e o seu bebê naquele momento.

Quando tem liberdade de movimentos durante o trabalho de parto, a mulher vai mudando de posição conforme o corpo pede. O profissional também pode sugerir uma mudança, quando percebe que a parturiente está desconfortável. Ou, por exemplo, se ela reclama de cansaço. “Nesse caso, ela não pediu para mudar de posição, mas deu uma dica de que algo não está bom. Então podemos sugerir outra posição”, recomenda Kuhn.

A influência da posição da mulher no sucesso do trabalho de parto é tão grande que este pode ser também um recurso adotado pelo profissional para superar uma dificuldade no parto. “Quando o bebê está com o dorso à direita (o mais comum é à esquerda), por exemplo, o ideal é a mulher deitar do lado esquerdo, o que ajuda o bebê a virar. Mudando a mulher de posição, conseguimos corrigir alguns vícios de apresentação do bebê”, explica Andrea Campos. “Mas, em princípio, não sugerimos, deixamos a mulher assumir a posição em que se sente mais confortável”.

“Nós profissionais é que temos de nos adequar. Lógico que estamos falando de um parto natural, em que não se está fazendo nenhuma intervenção. Se houver necessidade de um procedimento – fazer um toque vaginal, romper a bolsa, aplicar fórceps, vácuo-extração ou mesmo numa cesárea – a comodidade tem de ser do profissional”, pondera Kuhn.

Para desfrutar plenamente dessa liberdade de escolha, o ideal é que a gestante se informe das possibilidades durante o pré-natal e converse sobre suas preferências com o profissional que vai atendê-la. Tudo isso deve ser registrado por escrito no plano de parto, um documento que consolida tudo o que foi combinado entre paciente e profissional.

O ápice da liberdade de posição e de movimentos durante o parto é quando a própria mulher consegue “pegar o bebê”. Partos em que isso aconteceu ficam registrados na memória da equipe. “Gosto muito das posições que permitem que a mãe receba o bebê. E algumas favorecem isso, como a de cócoras com um joelho apoiado, por exemplo”, afirma Andrea.

A primeira vez que presenciou uma mulher receber seu próprio filho foi tão marcante para Kuhn, que ele ainda é capaz de descrever a cena em detalhes. “Ela estava numa banheira bem grande e eu sugeri que tocasse a cabeça do bebê – muitas mulheres nessa hora não querem fazer isso, têm uma certa aflição. Ela foi deixando a mão lá, se acostumando com a saída da cabeça, uma coisa incrível, instintiva, ninguém falava nada para ela! A cabeça saiu, ela ficou olhando para o nenê, não perguntava nada. Viu o filho rodar e continuou segurando a cabeça por baixo. Quando saiu o bracinho, colocou a mão sob a axila dele e foi trazendo, trazendo…”, conta. Uma cena, segundo ele, muito rara de acontecer.

“Outras fazem diferente: fecham os olhos ou não querem olhar no espelho a saída do bebê. Preferem sentir, mais do que ver. Cada parto é um parto”, conclui.

Por Casa Moara (Sp)



Um comentário:

  1. Poxa vida Michelle
    Ah se você tivesse postado isso uns 4 meses e 2 dias atrás..
    Meu bebê estava com dorso a direita, e esse foi um dos motivos da minha cesaria!!
    Nossa, eu estou tão bem mais informada agora, que no próximo vou conversar com minha médica sobre essas possibilidades todas, e caso ela não concorde, a minha opinião nao mudo, mais a medica quem sabe neh??
    Fiquei triste com a repreensão que aquela mulher que encontrou sua posição confortavel e foi repreendida, pois por falta de informações teve que passar por uma cirurgia..
    Me colo do utero tambem nao dilatou, e talves se eu tivesse arranjado uma posição legal, todos diziam apenas pra eu deitar e relaxar,e tome contrações e desconfortos...
    Informação é tudo, obrigada por trazê-la a nós
    bjO

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