Antes de mais nada deveríamos nos perguntar: é possível classificar um parto por “tipo” antes dele acontecer? É possível saber como será o seu parto antes que ele termine? A resposta deveria ser não. O ideal é que só soubéssemos mesmo na hora. O natural seria que cada mulher pudesse escolher durante o parto a posição que para ela, naquele momento, fosse a mais fisiológica e favorecedora para o nascimento. Se o bom é continuar dentro da banheira com água, acocorar-se ou deitar. E só saber se irá para uma cesariana em caso de real necessidade, o que segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) deveria corresponder a apenas 15% dos partos, incluindo aí as gestações de maior risco.
Hoje ouvimos falar em vários “tipos de parto:” parto normal, parto vaginal, parto natural, cesárea, parto a ferro (fórceps), parto na água, parto Leboyer, parto sem dor, parto humanizado, parto de cócoras, e assim por diante. Antes de explicá-los é importante pensar de onde surgiram as classificações dos “tipos de parto” de que hoje tanto ouvimos falar.
A separação dos partos por tipos é relativamente recente e só aconteceu como conseqüência do nosso sistema obstétrico, ou seja, depois que a maioria dos partos passou a ocorrer dentro do ambiente hospitalar, há aproximadamente 70 anos . Desde então o parto passou a ser feito quase que exclusivamente pelos médicos, em macas horizontais, com mulheres em posição ginecológica. A partir daí a classificação ficou óbvia: “Parto Normal” ou “Cesariana”. Não havia alternativas, ou a mulher se adaptava a parir nas condições padronizadas ou ia para a cesárea.
As condições padronizadas hospitalares sob as quais as mulheres deveriam tentar o parto normal eram: separação do companheiro, salas de pré-parto coletivas sem privacidade, impossibilidade de movimentação, soro com hormônios e intervenções para acelerar o parto, período expulsivo com a mulher deitada de costas e pernas amarradas na perneira (o que reduz em 40% o espaço para a passagem do bebê e diminui a circulação para mãe e feto), comandos para fazer força, equipe pressionando barriga da mulher, corte rotineiro no períneo, entre outros.
Estas condições padronizadas para o parto infelizmente ainda são comuns na maioria dos hospitais brasileiros. Muitas mulheres chamam criticamente o parto normal hospitalar, com todas as suas intervenções de rotina, de “parto vaginal hospitalar”; já pouco ele apresenta de “normal” ou “natural”.
Muitas vezes o parto sob estas condições ficava difícil e aplicava-se o fórceps alto (um instrumento de ferro como uma tesoura grande, com duas colheres metálicas que entram na vagina e seguram a cabeça do bebê puxando-a para fora). Esta intervenção trazia muitas vezes seqüelas para o recém-nascido e para a mãe. Ficou conhecido como “Parto a Ferro” ou “Parto Fórceps”. Hoje se utiliza apenas o fórceps de alívio, quando a cabeça do bebê está mais em baixo no canal de parto. É um ótimo recurso para acelerar o período expulsivo em casos emergenciais, se o bebê apresentar sofrimento fetal, o que é exceção e não a regra em uma gestação de baixo risco.
A partir da década de 70, no pós-segunda guerra e dentro do movimento revolucionário que se iniciou com o movimento hippie, alguns médicos e mulheres passaram a questionar o excesso de intervenções e melhores condições para dar a luz, propondo o resgate do parto como um evento fisiológico, familiar e afetivo. A partir daí surgiram as demais possíveis classificações das “formas de nascer”.
Parto Leboyer
Na França, o obstetra Frédérick Leboyer focou-se no recém-nascido e defendeu uma forma menos violenta de nascer. Foi o primeiro a considerar a importância do vínculo mãe-recém-nascido no momento do nascimento. Pouca luz, silêncio, massagem nas costas do bebê, esperar o cordão parar de pulsar para o bebê fazer a transição respiratória de forma mais suave, banho do bebê perto da mãe, amamentação precoce. No entanto seu foco era o bebê, não a mulher. Geralmente estava deitada de costas, pernas em estribos e o uso da episiotomia era rotina.
Parto de Cócoras
Janet Balaskas liderou o movimento pelo “parto ativo” em Londres, na década de 80. Trabalhava com gestantes em aulas de yoga e preparando-as para uma postura mais ativa no parto. Observou que raramente ocorriam depressões-pós-parto, problemas com amamentação ou recuperação da parturiente. Onde havia liberdade para movimentação das mulheres e elas podiam seguir seus instintos e a lógica fisiológica do corpo durante o parto, a grande maioria preferia adotar a posição vertical ou de cócoras durante a fase expulsiva, por ser mais rápido e cômodo para a mulher e mais saudável para o bebê.
Desde a mais remota antigüidade as mulheres procuravam posições que facilitassem o parto. Nas gravuras antigas o mais comum é ver mulheres ajoelhadas, de cócoras, ou em banquinhos baixos de parto. De um jeito ou de outro o que se observa é que as costas estão em posição vertical. A posição das pernas é variável.
Inúmeros estudos nos últimos 70 anos mostram as vantagens da posição vertical ou de cócoras durante a expulsão:
- a área da pélvis é aumentada em até 40%, facilitando a passagem do bebê;
- o feto desce com a ajuda da gravidade;
- a eficiência do esforço muscular da mãe é muito maior nesta posição;
- as contrações uterinas são mais eficazes e, portanto, a duração do parto e a dor são menores;
- a elasticidade do períneo é menos comprometida, mantendo sua integridade;
- a posição horizontal obriga o feto a subir durante a expulsão para vencer a forma da curva pélvica, e exige da mãe um esforço muito maior para o mesmo fim;
- há uma diminuição comprovada da incidência de intervenções medicamentosas, instrumentais e cirúrgicas nos partos verticais;
- na posição horizontal a compressão feita pelo peso do feto (somado ao peso do útero, placenta e líquido) na veia cava da mãe, produz efeitos negativos na mãe e no feto, comprometendo a circulação sanguínea podendo levar ao sofrimento fetal.
No Brasil o Dr. Moysés Paciornik estudou comunidades indígenas e resgatou o parto verticalizado. Criou com seu filho Dr. Cláudio Paciornik uma cadeira para ser usada em hospitais, que permitia várias posições para a mãe, sem comprometer o conforto do médico. Embora não haja necessidade de cadeiras especiais para que a mulher assuma essa posição, muitos profissionais afirmam que não fazem partos de cócoras porque no hospital não existe "a cadeira para parto de cócoras" à disposição.
Para ter um parto de cócoras não é preciso ser atleta nem fazer grandes preparações. A mulher só assume a posição de cócoras (ou senta-se no banquinho de parto ou cama de parto) na fase final do parto e só durante as contrações, descansando nos intervalos. O pai pode participar do parto mais ativamente, oferecendo apoio com seu corpo atrás da mulher.
Termo que surge também na década de 80, no movimento pelo parto ativo, com a popularização das questões ecológicas e com a retomada do parto pelas mulheres. Refere-se ao parto sem medicamentos, intervenções desnecessárias e anestesia, que muitas vezes acontece em casa.
Parto na Água
O obstetra francês Michel Odent, na cidade de Pithiviers, começou a usar banheira com água quente para o conforto das parturientes e alívio da dor. Algumas parturientes se sentiam bem dentro da banheira e o bebê nascia ali mesmo. De lá para cá, o parto na água tem sido utilizado no mundo inteiro, em banheiras especiais ou improvisadas. Estudos científicos comprovam que o uso da água quente no trabalho de parto é um excelente coadjuvante no combate à tensão e à dor, ajudando significativamente na dilatação do colo de útero. O nascimento para o bebê é muito mais suave e o períneo da mãe ganha maior flexibilidade com a água quente.
No Brasil pouquíssimas clínicas e médicos oferecem esse conforto às pacientes, infelizmente. Mas é possível levar uma banheira inflável para o apartamento de alguns hospitais e se utilizar da água pelo menos durante o trabalho de parto.
*Para saber mais sobre o parto na água: “O Parto na Água” Cornelia Enning; editora Manole.
Parto Sem Dor
O termo tem várias conotações. Os métodos psicoprofiláticos desenvolvidos especialmente nos Estados Unidos propunham uma espécie de treinamento às gestantes, baseado em técnicas respiratórias, de relaxamento, de concentração, entre outras. A idéia geral é que uma mulher bem preparada para o parto e bem acompanhada durante todo o processo terá muito menos dor do que uma mulher assustada e tensa. A idéia faz sentido, mas convém lembrar que a dor do parto continua existindo, agora sem o sofrimento causado por medo e tensão. Os métodos mais conhecidos são Bradley, Lamaze e Hipnobirth.
No Brasil "Parto Sem Dor" é comumente confundido com parto sob anestesia. Obviamente a anestesia bloqueia a dor, mas também diminui as sensações das pernas e do assoalho pélvico. Essas sensações são responsáveis pela força que a mulher faz na hora de "empurrar" o bebê para fora. Portanto, embora haja o bloqueio à dor, alguns efeitos indesejáveis como a perda do controle sobre o processo do parto, entre outros, podem ocorrer. Em muitos serviços médicos a anestesia é aplicada no final do trabalho de parto, já no período expulsivo, de modo que o período de dilatação não se passa sob efeito das drogas anestésicas. De qualquer modo, as formas naturais de se lidar com a dor deveriam ser largamente oferecidas e utilizadas antes de serem aplicados os métodos farmacológicos de bloqueio da dor.
Parto Humanizado
Termo atual que tem sido usado indiscriminadamente e sem uma definição real do termo. Para o Ministério da Saúde, parto humanizado significa o direito que toda gestante tem de passar por pelo menos 6 consultas de pré-natal, ter sua vaga garantida em um hospital na hora do parto e agora ter o direito a um acompanhante de escolha. Para alguns hospitais significa a presença de um acompanhante, música na sala de parto e a permissão de ficar alguns minutos com o bebê antes dele ser levado para o berçário.
Para o Rehuna (Rede Brasileira pela Humanização do Nascimento) e para muitos movimentos como “Parto do Princípio”, “Ong Bem Nascer”, “Despertar do Parto” entre muitos outros é devolver o papel principal do parto à mulher e promover uma atenção ao parto centrado nas escolhas e necessidades individuais de cada mulher. Se a mulher vai escolher dar à luz de cócoras ou na água, quanto tempo ela vai querer ficar com o bebê no colo após seu nascimento, quem vai estar em sua companhia, se ela vai querer se alimentar e beber líquidos, todas essas decisões deverão ser tomadas por ela, protagonista de seu próprio parto e dona de seu corpo. São decisões informadas e baseadas em evidências científicas. O papel do médico e de toda a assistência seria a de oferecer apoio e respeitar a fisiologia do parto só interferindo se houver real necessidade e não rotineiramente.
Por Despertar do Parto
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