Especialista em partos normais, essa profissional – que tem formação de enfermeira obstetra ou obstetriz – é cada vez mais requisitada nos grandes centros por mulheres em busca de uma experiência natural e afetiva no nascimento dos filhos. Tudo isso, é claro, sem abrir mão da segurança.
Por Luciana Benatti
“Escolhi ser assistida por parteiras porque parir é natural e fisiológico”, resume a fotógrafa Tatiana , mãe de Tito, que nasceu em casa, em São Paulo, pelas mãos dessas profissionais. Embora ainda constituam um universo pequeno, é cada vez maior o número de mulheres que, assim como Tatiana, trocam o médico pela parteira para acompanhá-las ao longo da gestação e na hora do parto.
“Elas acreditam na força do corpo da mulher. E possuem experiência e sabedoria para acompanhar o parto. Se houver necessidade de apoio médico, serão as primeiras a orientar”, completa Tatiana.
Embora também se intitulem parteiras, as profissionais que atuam hoje em dia nos grandes centros diferem das parteiras tradicionais, que costumam atender em comunidades mais remotas, porque possuem formação acadêmica, ou seja, frequentaram a universidade.
Existem atualmente dois caminhos para se tornar uma parteira urbana (ou parteira moderna) no Brasil: cursar Enfermagem e se especializar em Obstetrícia ou buscar uma vaga no único curso superior de Obstetrícia do país, oferecido no campus da USP Leste, em São Paulo.
Criado por um grupo de enfermeiras obstetras, o curso da USP colocou no mercado 130 obstetrizes desde 2008, ano em que formou sua primeira turma. A principal justificativa para a sua criação foi a necessidade de melhorar a assistência à saúde da mulher. “O curso é uma resposta às demandas sociais por um grande número de profissionais capacitados a promover a saúde da mulher e a prestar assistência humanizada”, reafirmou a coordenadora Nádia Zanon Narchi em março, num debate sobre a contribuição das obstetrizes para o Sistema Único de Saúde, em Guarulhos, SP.
O curso não é exatamente novo: já existiu anteriormente, na década de 1960. Vinte anos mais tarde, as obstetrizes praticamente sumiram do mercado. Na época, não havia a opção pelo parto em casa e, nos hospitais, elas perdiam a função, relegadas a trabalhos burocráticos, sem poder atender partos.
A parteira é, por definição, aquela que está ao lado da mulher durante o parto. Em inglês, a palavra midwife vem de “with woman”, literalmente “com a mulher”. E é aqui que se estabelece uma diferença fundamental entre o cuidado médico e o cuidado das parteiras: quem está no controle.
“Elas acreditaram desde o primeiro segundo que eu poderia parir, que era capaz”, conta a advogada Regiani, que procurou as parteiras na gravidez do segundo filho. O primeiro havia nascido por cesárea. “Elas nos guiaram nesse resgate de estima, de confiança. Nos colocaram frente a uma emoção que todas as mulheres e suas famílias deveriam ter a oportunidade de sentir”, relata ela sobre a experiência.
“Os elementos-chave no modelo da parteira são normalidade, facilitação de processos naturais (com um mínimo de intervenções, todas com base em evidências científicas), e o empoderamento da parturiente”, descreve o médico e cientista americano Marsden Wagner, ex-diretor de saúde da mulher e da criança da Organização Mundial da Saúde no livro Born in the USA (ainda sem tradução para o português). Segundo ele, assumindo o papel de facilitadoras, as parteiras acalmam e encorajam a mulher em trabalho de parto. “Obstetras, por outro lado, normalmente tentam colocar o parto sob o seu próprio controle, passando por cima de processos naturais com drogas e procedimentos médicos e dando ordens”, descreve.
É essa forma de olhar para a gravidez e o parto, focada na normalidade ao invés da doença, no protagonismo da mulher ao invés de sua infantilização, na informação ao invés do medo, nos processos fisiológicos ao invés dos procedimentos médicos que as mulheres procuram ao escolher as parteiras. Para elas não há dúvida de que o parto não é um “ato médico”, mas um ato da mulher.
Informação de mulher para mulher
“Ao conhecer nosso trabalho, muitas mulheres dizem: ‘Isso é o que eu sempre quis, mas não sabia que existia. Sempre pensei em ter filhos assim, mas achava que em São Paulo não havia essa possibilidade’”, conta a parteira Márcia Koiffman, enfermeira obstetra que acompanha partos domiciliares e hospitalares em São Paulo. Segundo ela, as mulheres costumam se informar sobre o trabalho das parteiras por meio de sites e listas de discussão na internet, de amigas que passaram pela experiência ou de relatos ouvidos nos grupos de gestantes voltados ao parto humanizado.
No Brasil, a habilitação legal das enfermeiras obstetras e obstetrizes permite atender o parto normal de baixo risco, seja em casa ou no hospital. Nas maternidades particulares, embora não sejam autorizadas a assumir uma paciente, podem atender como parte da equipe médica. Já nos hospitais públicos é comum encontrá-las atendendo partos. De qualquer forma, seja em casa ou no hospital, parteiras sempre trabalham em equipe. Em caso de complicação, o médico é acionado. Nos partos domiciliares, embora não esteja fisicamente presente, há sempre um obstetra na retaguarda.
O acompanhamento das parteiras começa no pré-natal, com consultas de avaliação dos aspectos físicos e conversas sobre questões emocionais da gravidez. A gestante pode optar por alternar as consultas com a parteira e o médico ou fazer todo o pré-natal com a parteira. É durante o pré-natal que se identifica se a gestação é de risco. Parto em casa só é opção para gestantes de baixo risco.
Métodos naturais de alívio da dor
“Parto em casa é só parto natural, sem nenhuma intervenção”, explica Marcia Koiffman, que nos últimos sete anos já atendeu cerca de 200 partos domiciliares planejados. Para o alívio da dor, são usadas medidas de conforto como massagens, banho de água quente e mudanças de posição. “Acompanhamos o processo bem de perto. Se identificamos alguma situação que precise de intervenção com drogas, providenciamos uma transferência, e o parto termina no hospital”, explica Márcia, que atende em dupla com a parteira Priscila Colacioppo, também enfermeira obstetra.
O fato de todos esses partos domiciliares serem planejados, melhor muito os resultados. Segundo Márcia, a grande maioria dos partos em casa atendidos por elas – cerca de 90% – terminou em casa mesmo. Cerca de 10% começaram em casa e terminaram no hospital, boa parte deles pelo mesmo motivo: um trabalho de parto muito prolongado em que a mulher decide ir para o hospital para poder contar com a ajuda da anestesia. “Ir para o hospital não quer dizer cesárea. O processo continua no hospital, com o acompanhamento conjunto do médico e das parteiras, e muitas vezes termina em parto normal”. A taxa de cesárea entre as mulheres atendidas pela dupla é de cerca de 4%. Se houver necessidade de cesárea, ela será feita, é claro, pelo médico. Parteiras não realizam nenhum procedimento cirúrgico, o que inclui os partos com uso de fórceps e vácuo-extrator.
Uma demanda crescente, mas ainda pequena
O movimento internacional pela volta das parteiras ficou mais forte no Brasil a partir do ano 2000, quando ganhou força por aqui o movimento de humanização do parto e, junto com ele, a demanda pelo parto domiciliar. O movimento cresceu e a procura pelo parto domiciliar com parteira também, a ponto de profissionais mais experientes, como Márcia e Priscila, não darem conta de atender todas as mulheres que as procuram. No entanto, as taxas de cesárea no Brasil continuam subindo. No ano passado, o número de partos cirúrgicos superou pela primeira vez o de partos normais, chegando a 52% do total. Conveniência?
“Um médico consegue fazer quatro ou cinco cesarianas num dia, ele pode reservar na agenda um dia só para operar. Já a parteira tem de estar sempre disponível, pois nunca sabe quando o parto vai acontecer. Eu trabalho bem com quatro a cinco partos domiciliares por mês. Parto natural é um trabalho que não combina com volume”, diz Márcia. E mais: o trabalho da parteira não termina com o parto. “O pós-parto é um período muito importante”, afirma Márcia. Nos primeiros dias de vida do bebê, a parteira vai até a casa da família para as consultas pós-parto e dá um suporte à mãe até que a amamentação se estabeleça.
Embora esta ainda não seja uma tendência significativa em termos estatísticos, o parto domiciliar em grande centros começa a aparecer em documentos oficiais. O mais recente Boletim CEInfo, que traz a análise do perfil dos nascimentos em São Paulo, assinalou um aumento no número de partos domiciliares na cidade entre 2001 e 2010. E mais: ressaltou que, embora a maioria desses partos ainda ocorra de forma não planejada, 16,5% do total (o equivalente a 95 nascimentos) resultaram de uma escolha da mulher, que optou por receber em casa a assistência de profissionais habilitados.
No modelo de assistência ao parto que predomina no Brasil, em que não é oferecida às gestantes a possibilidade de participar das decisões referentes ao nascimento de seus filhos, a escolha de mulheres como Tatiana e Regiani, que deram à luz com a assistência de parteiras, é um caminho possível para as mulheres que desejam ter voz ativa e retomar seu papel principal na hora do parto.
Por Casa Moara
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